Evolução: As suas raízes e como funciona (Parte I)

A evolução é um processo com bases simples que acontece a toda a hora na natureza, mas que tem dado muito que falar desde a sua descoberta. É também um tema muito controverso contestado por várias religiões, que vêm o criacionismo (erradamente) como explicação para a grande diversidade  de vida existente no planeta.
Este artigo será dividido em duas partes, uma vez que vários assuntos deverão ser abordados  e tonar-se-ia demasiado longo para apenas uma publicação.

Figura 1 – Foto de Charles Darwin.

O Homem sempre justificou a diversidade de espécies existente no planeta como um acontecimento único de origem sobrenatural. O criacionismo, por incrível que pareça ainda persiste nos dias de hoje e justifica-se com as seguintes ideias: todas as espécies são produto de um ser sobrenatural e nenhuma espécie se modifica ao longo do tempo.
A grande contribuição para o entendimento da evolução veio de um naturalista britânico do séc. XIX, nascido a 12 de Fevereiro de 1809 em Shrewsbury, Charles Robert Darwin (Figura 1). Ao observar a natureza ao seu redor, Darwin começou a questionar a possibilidade de toda a variabilidade de espécies existentes no planeta ter resultado de um único ato de criação. Ao perceber que espécies próximas partilhavam características gerais idênticas, mas com certas modificações adaptativas ao seu ambiente, Darwin desenvolveu umas das teorias mais revolucionárias e controversas da história da humanidade. Mesmo passados mais de 150 anos da publicação de “A Origem das Espécies” a teoria continua a ser contestada, principalmente por grupos religiosos e alguns políticos. Apesar disto, todos os dias surgem provas a favor da evolução mais fortes do que nunca.

Ideias pré-Darwinianas
Antes de Darwin, já existiam algumas ideias de como teria surgido esta grande diversidade de espécies que podemos hoje observar. Em 1555 foi feita uma comparação entre a anatomia do Homem e de um pombo (Figura 2), em que se mostravam as várias homologias entre os diferentes ossos. A existência de estruturas homólogas viria a ser um importante argumento a favor da evolução de Darwin. Mais tarde Carolus Linnaeus (Lineu em português, 1707-1778) desenvolveu o atual sistema de classificação em espécies, que agrupa as espécies de acordo com as suas semelhanças. Embora Lineu não pensasse nisso, este sistema de classificação já assumia processos evolutivos.
Outra personalidade importante foi Lamarck (1744-1829), a primeira pessoa a pensar que a evolução realmente acontece, embora de forma diferente de Darwin. Este entendia que a transformação se dava a nível individual e não a nível populacional, o que implicava uma alteração coordenada de todos os indivíduos de uma população num mesmo sentido. Estas características eram produzidas durante a vida do indivíduo quando o ambiente mudava, ou seja, a necessidade de um órgão em determinado ambiente cria esse órgão e a função modifica-o.

Figura 2 – Comparação da anatomia humana com a de uma ave. Ilustração de 1555.

Darwin e a teoria da evolução
A desejo do pai, Darwin começou os seus estudos em medicina aos 16 anos. Mostrando pouco interesse na área acabou por não concluir o curso e começou a interessar-se mais pelas ciências naturais.
Com apenas 22 anos Charles Darwin embarcou num veleiro da marinha inglesa chamado Beagle. O objetivo desta viagem foi o de cartografar o hemisfério sul, viagem que duraria 5 anos. O capitão do navio, Fitzroy, tinha um grande interesse por ciência avançada, especialmente geologia, levando consigo para a viagem mais de 400 livros que os disponibilizou a Darwin. Foi no início da viagem que Darwin leu os primeiros livros de Charles Lyell “Principles of Geology”, ficando convencido de que o uniformitarismo fornecia o correto entendimento da história geológica da Terra. O saber adquirido a partir dos livros, juntamente com a viagem foram cruciais para o entendimento da evolução. Especialmente importante foram as suas 5 semanas nas Ilhas das Galápagos, onde as suas observações o levaram a compreender quais as causas responsáveis pela evolução dos organismos.

Seleção Natural
Nas Galápagos, Darwin reparou que certas ilhas possuíam as suas próprias espécies/subespécies de tartarugas (Figura 3), de tentilhões e de numerosas plantas e que estas diferentes populações tinham os mesmos hábitos gerais, ocupavam situações análogas e ocupavam o mesmo lugar na economia natural do arquipélago. Assim, questionava-se da origem das diferenças entre estas populações, que estavam claramente relacionadas. Mais tarde viria a concluir que estas populações eram descendentes de um ancestral comum e que os seus descendentes foram gradualmente modificando-se depois de chegarem a cada uma das ilhas.
Darwin deixou o arquipélago convencido de que as diferentes populações das ilhas foram gradualmente modificadas a partir das suas formas ancestrais. Por outras palavras conclui, que estas populações sofreram um processo de evolução. Apesar disto, não conhecia o mecanismo que explicava essas mudanças ao longo do tempo. Contudo, passados 3 anos depois de deixar as Galápagos, um mecanismo plausível de explicar as mudanças evolucionárias surgiu a Darwin. Percebeu que durante a competição por recursos limitados entre indivíduos da mesma população, como alimento ou espaço, alguns indivíduos teriam uma vantagem evolutiva. Assim, propôs que as características que produziam essa vantagem seriam “preservadas” e as características que proporcionavam uma desvantagem seriam “destruídas”. Como consequência deste processo de seleção pelo ambiente, as populações mudariam ao longo do tempo. Apesar de Darwin nesta altura já perceber o processo pelo qual a evolução acontece, demoraria vários anos a formular a sua teoria final.
A teoria da seleção natural de Darwin resume-se no seguinte: 1. há possíveis variações entre indivíduos da mesma espécie. Algumas dessas diferenças são hereditárias. 2. São gerados mais descendentes em cada geração do que o ambiente pode suportar. 3. Alguns indivíduos, devido às suas características físicas e comportamentais têm uma maior hipótese de sobreviverem e de se reproduzirem do que outros indivíduos da mesma população.
Darwin propôs que a sobrevivência e a reprodução diferencial entre indivíduos produzirá mudanças nas populações das espécies ao longo do tempo. Ou seja, a ação do ambiente na variação entre indivíduos de uma população resultará em adaptação, que é um processo evolucionário que altera a anatomia, fisiologia, ou comportamento, resultando num melhoramento dos membros de uma população para viver num ambiente particular.

Figura 3 – Tartaruga-das-galápagos da ilha de Santa Cruz (Chelonoidis nigra porteri). [Foto retirada de http://www.freeimages.com/photo/951694].

No seguinte exemplo pode ver de uma forma mais prática de como a seleção natural funciona:
Em Inglaterra existe uma espécie de borboleta (Biston betularia) que é constituída por indivíduos de duas fases diferentes, fase melânica (escura) e a fase clara. Durante a revolução industrial, devido à grande poluição atmosférica, entre Londres e Manchester as árvores começaram a ficar mais escuras. Em consequência, os indivíduos escuros conseguiam “esconder-se” dos seus predadores mais eficazmente do que as borboletas claras (Figura 4). Assim, os indivíduos melânicos passaram a ser menos caçados, sobrevivendo durante mais tempo e reproduzindo-se mais. Passadas algumas gerações os indivíduos melânicos tornaram-se mais comuns, pois tinham uma vantagem sobre as formas claras, que até ao momento eram as mais frequentes.
Este é um dos exemplos mais conhecidos e mais claros de como a seleção natural pode moldar toda uma população. Neste caso foi a mudança da cor da casca das árvores que atuou como pressão seletiva, uma vez que foi o fator ambiental que favoreceu uma determinada característica (cor escura) em relação à outra (cor clara).

Figura 4 – Representação do efeito da poluição nas populações de borboletas.

Teoria Sintética da Evolução (Neodarwinismo)
Apesar da teoria da evolução fazer todo sentido e estar bem fundamentada, havia o problema de os mecanismos de herança das características não serem conhecidos por Darwin. Em adição, a ideia que persistia na altura sugeria que as características raras, não importando o quão favoráveis eram, desapareceriam da população prevenindo a mudança como consequência. Talvez se Darwin tivesse tido conhecimento do trabalho de Mendel, que foi seu contemporâneo, alguns destes problemas relativos à hereditariedade tivessem sido resolvidos.
Mesmo no início do século XX, embora a ideia da evolução biológica fosse uma já aceite pela comunidade científica, a explicação através da seleção natural apresentava ainda alguns pontos frágeis. Foi entre 1930 e1940 que se verificou a união entre o darwinismo e a genética (Figura 5), resultando no aparecimento, em 1942, de uma teoria denominada Teoria Sintética da Evolução ou Neodarwinismo. Esta engloba duas ideias fundamentais: variabilidade genética e seleção natural. O Neodarwinismo inclui a mutação e a recombinação genética como principais fontes de variabilidade. As mutações são alterações que ocorrem no material genético e que só têm importância para a evolução caso aconteçam em células da linha germinativa (hereditariedade). Apesar das mutações serem a fonte primária de variabilidade genética, a recombinação genética também tem um papel importante, havendo troca de informação genética entre cromossomas homólogos durante a formação dos gâmetas.
Esta teroria pode ser representada da seguinte forma (este é apenas um exemplo para ilustrar o Neodarwinismo, não quer dizer que tenha acontecido exatamente assim):
Uma população de uma espécie de girafa de pescoço curto vivia num habitat em que as árvores eram baixas e, por isso, conseguiam alimentar-se com facilidade das folhas. Devido a alterações no clima as árvores começaram a ficar mais altas e, como consequência, apenas as girafas que possuíam uma mutação que as tornavam também mais altas conseguiam se alimentar devidamente. Estas girafas reproduziam-se mais, passando em maior quantidade os seus genes para as gerações futuras, enquanto que as girafas com o pescoço mais curto, como não sobreviviam nem se reproduziam tanto, foram desaparecendo e os seus genes foram se perdendo com o tempo.

Figura 5 – A genética foi crucial para a explicar algumas questões que Darwin não conseguiu responder.

Na parte II veremos como se formam as espécies e apresentarei as provas a favor da evolução e a importância de perceber os processos evolutivos.

Referências
Dawkins, R. (2009). O Espectáculo da Vida. A Prova da Evolução. Versão Portuguesa. Casa das Letras
Molles, M. (2013). Ecology. Concepts and Applications. Sixth Edition. New York: McGraw-Hill
http://www.livescience.com/474-controversy-evolution-works.html
http://www.sparknotes.com/biography/darwin/section10.rhtml
http://anthro.palomar.edu/evolve/evolve_2.htm
http://origins.swau.edu/papers/evol/marcia1/defaultp.html

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