Anilhagem Científica de Aves

A anilhagem científica de aves é um método de investigação que se baseia na marcação individual de aves. Desde há muitos anos que é utilizada principalmente em estudos de movimentos migratórios.

 [© Ricardo Veira, todos os direitos reservados] – Estrelinha-real (Regulus ignicapillus).

O que é a anilhagem científica de aves e para que serve?
A anilhagem científica de aves é um método de marcação individual, que se tornou bastante popular na investigação científica dado a sua elevada eficácia no estudo da biologia, ecologia e comportamento de aves. Também é muito utilizada e igualmente eficaz no estudo de movimentos, produtividade reprodutora e demografia populacional. Começou por dar respostas a várias dúvidas que que os ornitólogos não sabiam responder, como por exemplo, quais as paragens das espécies migradoras e quais os caminhos percorridos. Os primeiros ensaios foram feitos em 1890 pelo professor dinamarquês Christian Mortensen, que criou as regras básicas do método. Estas ideias foram posteriormente seguidas por outras personalidades e em 1903 foi criada a primeira estação de anilhagem, a Central de Anilhagem de Rossiten, na Alemanha.
As aves anilhadas que são recapturadas em diferentes locais permitem-nos inferir os seus movimentos, sendo estas informações importantes para conservação. Este método possibilitou um maior conhecimento de movimentos migratórios, facilitando a gestão e conservação do espaço utilizado pelas diferentes espécies.
Uma das migrações mais longas pertence a uma gaivina-comum (Sterna hirundo), anilhada a 27 de Junho de 2003 em Hälsingland (Suécia) e encontrada morta a 1 de Dezembro de 2003 na Nova Zelândia. Esta ave deverá ter percorrido cerca de 25 mil quilómetros, assumindo-se que partiu da Suécia parando na África do Sul e depois seguindo para a Nova Zelândia. Outras informações conseguidas pela recaptura incluem parâmetros populacionais (por exemplo, estimativas de sobrevivência e sucesso reprodutivo), que são essenciais para determinar as causas de alterações no tamanho das populações.
A anilhagem permite ainda estimar idades. A ave mais velha anilhada de que se tem conhecimento é um albatroz (Phoebastria immutabilis) tendo atualmente 63 anos. Um outro número incrível, pertence a uma pardela-sombria (Puffinus puffinus) que apresentava 55 anos em 2003.
Muita desta informação é conseguida pelo trabalho de voluntários, não sendo o dinheiro a sua motivação, mas sim o prazer de trabalhar com aves e de contribuir para a conservação da natureza.

História da anilhagem científica de aves em Portugal
As primeiras aves capturadas em Portugal com anilhas estrangeiras datam 1910. O primeiro ornitólogo a anilhar em Portugal foi um britânico, chamado William C. Tait, que usava as suas próprias anilhas (“W. TAIT – OPORTO”).
Em Agosto de 1953 foi relançada a atividade em Portugal, mas desta vez por um português, Joaquim Santos Júnior, diretor do Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre da Faculdade de Ciências das Universidade do Porto. As anilhas usadas tinham a legenda “Museu Zool. Univ. Porto, Portugal”. A partir de 1965 a Sociedade Portuguesa de Ornitologia (SPO), da qual Santos Júnior era presidente, passou a coordenar as atividades de anilhagem.
Santos Júnior desenvolveu grande parte da sua atividade como anilhador na Reserva Ornitológica de Mindelo, onde entre 1953 e 1984 foram anilhadas cerca de 78000 aves, pertencentes a mais de 100 espécies. Entre estes números destacaram-se as rolas-bravas (Streptopelia turtur), em que foram anilhados quase 19000 indivíduos entre 1953 e 1980. A zona de Mindelo tornou-se pioneira nessa época no estudo e na anilhagem de aves em Portugal. Apesar da importância da reserva para a anilhagem em Portugal, Santos Júnior não se limitava a anilhar apenas neste local. Desenvolveu esta atividade também noutras zonas do distrito do Porto, Trás-os-Montes, Beira Baixa e Alto Alentejo.
Outras personalidades foram também relevantes, como Agostinho Isidoro, Osvaldo Freire e António de Jesus pereira (guarda florestal da reserva), colaboradores de Santos Júnior. Pelo país formaram-se pequenos grupos de anilhagem, que entre 1953 e 1978 anilharam um total de cerca de 200 000 aves.
Em 1975 a CEMPA (Centro de Estudos de Migrações e Proteção de Aves) foi criada e com a centralização das atividades neste grupo houve a necessidade de uniformizar as anilhas utilizadas. Por esta altura a SPO já tinha sido um pouco esquecida, embora ainda prosseguisse a sua atividade.
Hoje em dia a anilhagem é exclusivamente coordenada pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), através da Central Nacional de Anilhagem que tem como dever a centralização, coordenação e divulgação da anilhagem e da recaptura de aves. A Central Nacional de Anilhagem coordena a atividade dos Anilhadores, apoia a sua formação, organiza e trata os dados por eles obtidos. Em 2007, foi criada a Associação Portuguesa de Anilhadores de Aves (APAA) passando várias das atividades da Central Nacional de Anilhagem para esta associação, como por exemplo, o Projeto de Estações de Esforço Constante (PEEC, iniciado em 2001).

Métodos
Há vários tipos de formas para capturar aves e cada técnica depende da espécie/grupo alvo. De uma forma geral, são usadas duas formas de captura: redes japonesas (Figura 1) e armadilhas. Neste artigo será abordado apenas as capturas feitas com redes japonesas, que consistem em redes verticais com uma determinada malha que pode variar dependendo do grupo em estudo.

                                      Figura 1 [© Ricardo Vieira, todos os direitos reservados] – Rede japonesa.

Existem várias formas de retirar as aves da rede, sendo que a técnica base sugere que a ave deve ser retirada contrariando a direção de voo que o animal levava (Figura 2). As aves maiores devem ser as primeiras a ser retiradas, porque tendem a ficar menos presas podendo fugir. No entanto, caso haja aves presas no fundo da rede devem ser prioridade, pois estão mais vulneráveis a predadores. É importante assegurar que não ficam aves esquecidas nas redes e também se devem fazer visitas regulares às mesmas (normalmente de uma em uma hora) para que as aves capturadas não fiquem demasiado tempo na rede. Existem variadas formas de pegar na ave para serem processadas. Uma delas consiste em colocar o dorso da ave junto da palma da mão e o pescoço entre o dedo indicador e o dedo médio, desta forma a ave mantém-se calma e não bate as asas diminuindo o risco de lesões (Figura 3). Outra forma consiste em pegar a ave pela tíbia de cada membro posterior em simultâneo, sendo que esta forma é mais usada para exposição da ave (por exemplo, fotografar) (Figura 4).

Figura 2 [© Daniel Santos, todos os direitos reservados] – Ao bater na rede a ave fica presa, sendo posteriormente retirada e processada para ser libertada. Espécie: Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula).

                                        Figura 3 [© Ricardo Vieira, todos os direitos reservados] – Neste tipo de pega o pescoço da ave fica entre o dedo indicador e o dedo médio e os restantes abraçam suavemente a ave. Espécie: Poupa (Upupa epops).

        Figura 4 [© Ricardo Vieira, todos os direitos reservados] – Para exposição da ave, com os dedos indicador e médio faz-se uma espécie de tesoura, de forma a atracar a tíbia de cada membro posterior e depois coloca-se o polegar contra os tarsos. Espécie: Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) juvenil.

As anilhas são colocadas no tarso da ave, com um alicate próprio (Figura 5) e o tipo de anilha é escolhido de acordo com a espécie.

  Figura 5 [© Daniel Santos, todos os direitos reservados] – Aplicação de uma anilha num pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula).

De seguida, são retiradas várias medidas morfométricas como o comprimento da asa fechada, o comprimento da oitava rémige primária, o comprimento do bico e do tarso e o peso (Figura 6). Muitas outras medidas podem ser feitas, como por exemplo o comprimento da cauda, mas isso depende um pouco do anilhador/grupo de anilhagem. Também é vista a idade (Figurar 5), o sexo e as condições físicas (músculo e gordura) (Figura 6). Depois de tudo isto a ave é libertada.

Figura 6 [© Daniel Santos com exceção do nº 6 – © Ricardo Vieira, todos os direitos reservados] – 1: medição da asa; 2: medição da oitava rémige primária; 3: medição do comprimento do bico; 4: medição do tarso; 5: peso; 6: atribuição da idade (normalmente vista pelo padrão das penas); 7: observação do músculo e gordura corporal, que permite determinar o estado de saúde/condição física da ave.

Claro que a existem alguns problemas ligados à anilhagem, por exemplo, as aves ao serem manipuladas podem ficar stressadas, sendo importante minimizar este problema. Portanto, quando as aves são retiradas das redes são colocadas em sacos de tecido até ao momento em que são anilhadas, desta forma não vêm o que as rodeiam e ficam mais calmas. No momento em que se manipula uma ave é crucial estar atento ao seu comportamento e caso haja sintomas de stress convém libertar o animal.
O bem-estar do animal deve ser sempre a palavra-chave, não só na anilhagem, mas também noutro tipo de estudos. Nada deverá compensar o sacrifício do animal.

GVC – Grupo de Anilhagem Científica
O GVC é um grupo de anilhagem científica, dos mais importantes a nível nacional e o mais ativo na região Norte. As sessões de anilhagem são realizadas em vários locais, mas mais frequentemente na Veiga de São Simão e no Parque Biológico de Gaia. Este último local é o mais utilizado e pode assistir às sessões no primeiro e terceiro sábados de cada mês.
O trabalho deste grupo é extremamente importante para a conservação e conhecimento da avifauna, principalmente do Litoral Norte de Portugal. Outro dos princípios do GVC é a formação de novos Anilhadores.
Para mais informações aceda ao site do GVC aqui. Caso tenha alguma dúvida ou pretenda assistir a uma sessão de anilhagem envie uma mensagem para o seguinte endereço eletrónico: anilhagemdeaves@gmail.com

Bibliografia
Baillie, S., Bairlein, F., Clark, J., Feu, C., Fiedler, W., Fransson, T., Hegelbach, J., Juillard, R., Karcza, Z., Keller, L.F., Kestenholz, M., Schaub, M. and Spina, F. (2007). Bird Ringing for Science and Conservation. EURING, The European Union for Bird Ringing
Beer, S.J., Lockwood, G.M., Raijmakers, J.M.F.A., Raijmakers, J.M.H., Scott, W.A., Oschadleus, H.D. and Underhill, L.G. (2001). Bird Ringing Manual. Avian Demography
Catry, P., Costa, H., Elias, G. and Matias, R. (2010). Aves de Portugal, Ornitologia do Território Continental. (Assírio & Alvim, Lisboa)
http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2558515/Worlds-oldest-wild-bird-gives-birth-ripe-old-age-63-making-mother-35th-time.html
http://anilhagemdeaves.weebly.com/contacto.html

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