Tritão-de-ventre-laranja (Lissotriton boscai)

O tritão-de-ventre-laranja é um pequeno anfíbio endémico da parte Ocidental da Península Ibérica, o que significa que apenas existe nesta região. Tal como o nome indica, o ventre é laranja, o que o torna facilmente distinguível da maior parte das restantes espécies de anfíbios que ocorrem em Portugal.

© Daniel Santos Photography
Close-up de um tritão-de-ventre-laranja adulto

Taxonomia
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Amphibia
Ordem: Caudata
Família: Salamandridae
Género: Lissotriton
Espécie: Lissotriton boscai

São conhecidas duas linhagens, uma que ocorre no Sudoeste de Portugal e a outra correspondente à restante distribuição da espécie. Recentemente foi sugerido por um estudo (Sequeira et al., 2019) que estas duas linhagens são na realidade duas espécies distintas. Atualmente outros autores já consideram estas duas populações como duas espécies distintas (Speybroeck et al., 2020), Lissotriton boscai e Lissotriton maltzani, sendo a última um endemismo lusitânico. Nesta ficha de identificação considera-se a divisão dessas duas espécies e, por isso, a informação compilada nesta ficha apenas se refere ao tritão-de-ventre-laranja (Lissotriton boscai) e exclui o Lissotriton maltzani.

Estatuto de Conservação e Abundância
As populações do tritão-de-ventre-laranja, tanto em Portugal, como a nível mundial, parecem estar estáveis e, por isso, está classificado com o estatuto de conservação “Pouco Preocupante”.

Portugal

Mundial

Distribuição
A espécie é endémica da Península Ibérica, estando a sua distribuição restrita à metade Oeste deste território. O limite de distribuição oriental é composto a sul pelo rio Guadalquivir, no centro pelas serras Morena e Guadarrama e a norte pelos Picos da Europa.
Em Portugal, o tritão-de-ventre-laranja ocorre por todo o país, com a exceção do território a oeste da diagonal que liga aproximadamente a Figueira da Foz à Serra do Caldeirão, região onde pode ser encontrada a espécie Lissotriton maltzani. Também parece estar ausente de algumas regiões mais áridas, como é o caso de uma ampla área do interior alentejano, do baixo Ribatejo, da costa algarvia e do litoral entre a Figueira da Foz e a Nazaré.

Ecologia e Comportamento
Habitat: O tritão-de-ventre-laranja ocorre numa grande variedade de habitats, tais como prados, bosques e zonas agrícolas. Está associado a zonas com massas de água límpida e fresca, muito diversas, como ribeiros com vegetação aquática abundante e corrente fraca, poços, charcos, lagoas, represas, albufeiras e até tanques. Pode ser encontrado desde o nível do mar até aos 1940 m na Serra da Estrela.
Comportamento: Apesar de, por vezes, poder permanecer na água durante todo o ano, normalmente apresenta uma faze aquática, que corresponde à época de reprodução, e uma faze terrestre. Durante a fase terrestre, tem hábitos principalmente noturnos, enquanto que na fase aquática tanto pode ser visto de dia como de noite. Nas regiões mais frias e/ou mais quentes pode passar por períodos de inatividade, escondendo-se debaixo de pedras ou no fundo de habitats aquáticos.
A migração para os locais de acasalamento ocorre normalmente em outubro, mas nas zonas de maior altitude e mais frias ocorre apenas no início da primavera.
Predadores e Estratégias de Defesa: O tritão-de-ventre-laranja tem como principais inimigos naturais víboras e cobras-de-água. As larvas podem ser capturadas por larvas de libélulas, insetos aquáticos, larvas de salamandra e adultos de tritão-marmorado (Triturus marmoratus). Os adultos como mecanismo de defesa, optam normalmente pela fuga, mas quando este método não funciona podem libertar substâncias tóxicas pelas glândulas cutâneas. Os machos podem viver até aos 6 anos e as fêmeas até aos 9 anos de idade.
Dieta: Durante a fase aquática, os adultos alimentam-se de pequenos invertebrados aquáticos com até 9,7 mm e durante a fase terrestre capturam sobretudo animais de consistência mole, como minhocas e lesmas. As larvas alimentam-se normalmente de dáfnias, e larvas de dípteros.

© Daniel Santos Photography
Tritão-de-ventre-laranja adulto em fase aquática

Morfologia Externa e Identificação
Biometrias: A fêmea é normalmente maior do que o macho, medindo entre 7,0 e 9,0 cm, enquanto que o macho mede entre 6,5 e 7,5 cm. As larvas medem entre 2,0 e 3,0 cm.
Adulto: O tritão-de-ventre-laranja é um pequeno urodelo, com o ventre laranja, característica que deu origem ao seu nome comum. O laranja do ventre é interrompido por diversas manchas arredondadas e escuras, que podem formar filas irregulares. A região posterior tem uma coloração variável, predominando os castanhos, verde-azeitona, amarelos e cinzentos e, normalmente, notam-se manchas escuras, sendo também comum a presença de uma linha vertebral mais clara que o resto do dorso. Os flancos inferiores e o queixo são esbranquiçados, enquanto que a garganta tem uma cor amarelada, coberta de manchas escuras. Durante a fase terrestre, a pele deste tritão fica com uma textura granulosa e mais escura, em oposição à pele mais lisa e clara na fase aquática.
A cabeça é plana, com olhos proeminentes (em posição lateral) e as glândulas parótidas são de pequenas dimensões. O focinho é curto, sendo, no entanto, mais comprido nas populações do Sul. A cauda é achatada lateralmente e os membros são delgados (os posteriores possuem 5 dedos e os anteriores 4).

© Armando Caldas
Coloração ventral de um tritão-de-ventre-laranja adulto

As fêmeas são maiores que os machos e mais robustas, aparentando ter uma forma mais cilíndrica. O desenho dorsal das fêmeas é mais uniforme, com manchas escuras reduzidas e apresentam membros posteriores mais desenvolvidos e cloaca mais pequena. Os machos são mais delgados e têm uma forma mais quadrangular, normalmente com manchas escuras mais evidentes. Durante a época de reprodução, desenvolvem uma banda longitudinal branca por toda a cauda e uma crista caudal de pequenas dimensões, que termina num pequeno filamento, com cerca de 0.5 a 2 mm.
Os juvenis (indivíduos recentemente metamorfoseados) são mais escuros dorsalmente e ventralmente são amarelos ou vermelho intenso.

Larva: As larvas recém-eclodidas são muito pequenas, medindo entre 8 e 10 mm. Estas possuem uma coloração amarelada e vão gradualmente ficando acastanhadas com pequenos pontos negros. As larvas do tritão-de-ventre-laranja apresentam uma crista dorsocaudal bem desenvolvida, que se inicia na parte posterior da cabeça. A parte superior e inferior da cauda são quase simétricas e terminam bruscamente numa ponta curta e afilada. As branquias são bem visíveis e têm a mesma cor que o corpo.

© Armando Caldas
Larva de tritão-de-ventre-laranja

Espécies similares: Os adultos podem ser confundidos com o tritão-palmado (Lissotriton helveticus), mas diferenciam-se por não possuírem uma banda escura entre o orifício nasal e o olho e por terem uma coloração ventral mais alaranjada, em contraste com o amarelo pálido do tritão-palmado. Para além disso, durante a época de reprodução, os machos de tritão-palmado desenvolvem membranas interdigitais escuras nas patas posteriores, assim como, uma crista caudal de maiores dimensões e mais evidente, que termina num filamento comprido na ponta da cauda.

Também podem ser confundidos e difíceis de distinguir de Lissotriton maltzani, espécie que parece ter uma menor dimensão e a coloração dorsal parece ser mais pálida do que a do tritão-de-ventre-laranja, principalmente no sexo feminino, com manchas escuras menos distintas. No entanto, é ainda defendido que são necessários estudos adicionais quanto à morfologia e ecologia desta espécie.

Reprodução
A época de reprodução prolonga-se de novembro a julho, embora esse período possa variar bastante dependendo da latitude e da altitude. Desta forma, nas zonas com temperaturas mais amenas, podem ser observados indivíduos em fase aquática a partir de finais de novembro, enquanto que nas zonas mais frias, normalmente só se observam indivíduos na água apenas a partir de abril.
O acasalamento, que acontece dentro de água, é precedido de um complexo comportamento de corte – o macho coloca-se à frente da fêmea, dobra a cauda, de forma paralela com o corpo, e faz uma série de movimentos ondulatórios muito rápidos (entre 8 a 15 por segundo) e ao mesmo tempo liberta partículas odoríferas, direcionando-as assim para a fêmea, numa tentativa de a atrair. Este comportamento pode ser interrompido repetidamente por um balançar da ponta da cauda ou por uma postura diferente, em que o macho mostra sua cloaca virando-a em direção à fêmea e levantando a cauda verticalmente, movendo-a lentamente de um lado para o outro. Assim que é aceite pela fêmea, o macho afasta-se lentamente, continuando os movimentos com a cauda e esta segue-o, induzindo-o a depositar um espermatóforo. O par caminha um pouco mais, até que o macho bloqueia o caminho da fêmea e empurra-a em direção do espermatóforo, que é absorvido através da cloaca.
No total, a fêmea deposita entre 100 e 250 ovos, ao longo de vários dias, em águas paradas ou com pouca corrente. Estes são colocados individualmente na vegetação aquática (ou noutros objetos), muitas vezes dobrando as folhas ao redor de cada ovo, que eclodem passado cerca de 10 a 20 dias após a postura. A duração do período larvar varia bastante com a temperatura da água e disponibilidade de alimento. Os juvenis atingem a maturidade sexual após 2-4 anos.

Bibliografia
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› Speybroeck, J., Beukema, W., Dufresnes, C., Fritz, U., Jablonski, D., Lymberakis, P., et al. (2020). Species list of the European herpetofauna ‒ update by the Taxonomic Committee of the Societas Europaea Herpetologica. Brill Online. Amphibia-Reptilia. 41:139-189. https://doi.org/10.6084/m9.figshare.12161874.v1
http://www.iucn.org/
https://amphibiaweb.org/


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