Veado-vermelho-ibérico (Cervus elaphus hispanicus)

O veado-vermelho-ibérico é o maior mamífero terrestre que ocorre em território português, podendo ultrapassar os 200 kg de peso. Durante setembro e outubro os macho emitem chamamentos que podem ser ouvidos a grandes distâncias, período em que também lutam pela conquista das fêmeas. Este fenómeno é conhecido como brama.

©️ Armindo Ferreira
Veado-vermelho-ibérico macho adulto

Taxonomia
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mammalia
Ordem: Artiodactyla
Família: Cervidae  
Género: Cervus
Espécie: Cervus elaphus
Subespécie: Cervus elaphus hispanicus

Em Portugal ocorre a subespécie Cervus elaphus hispanicus, que é endémica da Península Ibérica, o que significa que existe apenas nesta região. Parece existir uma clara diferenciação genética entre as populações de veado-vermelho-ibérico e da restante Europa, que terá ocorrido há cerca de 27 a 19 mil anos atrás, durante o último máximo glacial.

Estatuto de Conservação e Abundância
O veado-vermelho já foi uma espécie bastante comum na idade média, mas no final do séc. XIX encontrava-se perto da extinção, principalmente devido à pressão agropecuária, à perda do habitat e à caça excessiva. No entanto, a distribuição e abundância da espécie começou a aumentar a partir da década de 1970, como consequência de reintroduções e recolonização natural a partir de Espanha.
Em Portugal o veado-vermelho está classificado com o estatuto de conservação “Pouco Preocupante”. A nível mundial está classificado com o mesmo estatuto pelo IUCN.

Portugal

Global

Distribuição
Esta espécie distribui-se por toda a Europa até às regiões do Cáucaso e do médio Oriente, estando também presente no norte de África. Foi também introduzida na Argentina, no Chile, na Austrália e na Nova Zelândia.
A subespécie presente na península ibérica, distribui-se por grande parte deste território, com exceção da parte mais ocidental da Galiza e de Portugal e da costa Este.  
Atualmente em território português existem populações de Norte a Sul país que se distribuem de forma mais ou menos descontínua, estando as mais importantes nas regiões do Montesinho, Tejo internacional, Contenda-Barrancos e na Serra da Lousã, onde o veado-vermelho foi introduzido em meados da década de 1990.

©️ Portugal Selvagem
Mapa de distribuição mundial e nacional do veado-vermelho.

Ecologia e Comportamento
Habitat: Ocorre na maior parte dos habitats presentes na Península Ibérica, desde as planícies ao nível do mar até às zonas de alta montanha, mas tendo uma clara preferência por zonas de transição entre bosques de caducifólias e/ou coníferas com áreas cobertas por vegetação arbustiva e com áreas abertas onde há crescimento de plantas herbáceas. Os machos e as fêmeas apresentam preferências no uso do habitat distintas durante a primavera e verão. Os machos são encontrados em altitudes mais baixas perto de campos de cultivo, mas parecem utilizar áreas menos abertas, enquanto que as fêmeas permanecem em altitudes superiores. No entanto, as fêmeas que têm crias selecionam áreas um pouco mais fechadas do que as que não têm crias.

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Veado-vermelho-ibérico macho adulto


Comportamento: O veado-vermelho é um animal moderadamente gregário e de uma forma geral os machos e as fêmeas mantêm-se em grupos separados durante a maior parte do ano, exceto durante a época de acasalamento. Durante este período, conhecido como brama, os machos vocalizam intensamente e combatem entre si para obterem domínio sobre o harém de fêmeas e terem a possibilidade de acasalar.
Fora da época de reprodução, a unidade social básica é o grupo familiar, liderado pela fêmea mais velha, seguida da cria do ano, a do ano anterior e ainda a cria de dois anos de idade, caso seja fêmea. Os machos com cerca de dois anos de idade geralmente dispersam, abandonando os grupos familiares. As fêmeas mais jovens, quando se reproduzem pela primeira vez, tendem a estabelecer áreas de distribuição que se sobrepõem às das suas progenitoras e, por isso, é comum que famílias aparentadas coabitem nas mesmas áreas e que temporariamente formem agrupamentos de várias famílias.

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Veado-vermelho-ibérico fêmea adulta e cria


Os machos tendem-se a reunir em grupos de idades semelhantes, dentro dos quais é estabelecida uma forte hierarquia linear de dominância.
A dimensão das áreas (domínio vital) utilizadas pelo veado-vermelho na península Ibérica parece ser menor do que no Norte e Centro da Europa. No entanto, em todos os casos os machos utilizam áreas de dimensões maiores do que as fêmeas. Vários estudos realizados em Espanha indicam que a área média do domínio vital varia entre 655 e 1185 ha no caso dos machos e entre 240 e 417 ha no caso das fêmeas.
Na Península Ibérica a distância mínima total percorrida por veados ao longo de um dia varia entre 3 e 4 km, sendo geralmente um pouco menor no caso das fêmeas, exceto durante a estação de acasalamento, quando os machos tendem a restringir os seus movimentos a áreas mais específicas. Tanto as mudanças no ciclo biológico, como na disponibilidade de alimento, podem causar mudanças sazonais no tamanho das áreas de distribuição. Durante a época de acasalamento, no outono, os tamanhos das áreas de pastagem diminuem, principalmente no caso dos machos, o que restringe seus movimentos.
O veado-vermelho-ibérico apresenta uma atividade principalmente crepuscular, estando muito menos ativo durante o dia e durante a noite, no entanto, o nível de atividade noturna é superior à diurna.
Predadores e Estratégias de Defesa: O principal predador natural do veado-vermelho-ibérico em Portugal é o lobo-ibérico (Canis lupus signatus). A longevidade máxima registada para a espécie é de 25 anos, mas geralmente não ultrapassa os 12-13 anos de idade. A principal estratégia de defessa contra predadores é a fuga.
Dieta: A dieta do veado-vermelho na Península Ibérica é distinta das restantes populações na Europa. Esta combina pastoreio herbáceo e pastoreio em plantas lenhosas. As proporções em que as plantas herbáceas e lenhosas entram na dieta variam de acordo com as zonas, épocas do ano e até mesmo com o sexo. Existe de facto uma preferência por plantas herbáceas, especialmente por pastagens com uma alta proporção de leguminosas, e o uso de espécies lenhosas apenas vai aumentando à medida que as ervas verdes se tornam escassas. Assim, de uma forma geral, o veado-vermelho-ibérico alimenta-se predominantemente de herbáceas durante o outono, inverno e primavera e no verão aumenta o consumo de espécies lenhosas.

Morfologia Externa e Identificação
Biometrias: É o maior mamífero terrestre que ocorre em Portugal. Em média os machos adultos têm um comprimento entre 160 e 220 cm, uma altura ao garrote de 90 a 120 cm e um peso médio entre 80 e 160 kg. As fêmeas medem em média entre 160 e 195 cm de comprimento, entre 90 e 110 de altura ao garrote e pesam em média entre 50 e 100 kg. No entanto, não é raro encontrar em certas populações, especialmente nas áreas de floresta caducifólia do norte da Península Ibérica, animais que excedem largamente os valores acima mencionados.
Adulto: O veado-vermelho-ibérico é mais pequeno e mais acastanhado do que as populações da Europa Central. Este tem uma pelagem onde predomina a cor castanha no inverno, mas adquire tons mais avermelhados no verão (embora não tanto quanto noutras regiões da Europa). Na zona ventral predominam tons mais claros e o escudo anal é bege, rodeado por bandas escuras pouco definidas. A cauda é curta e castanho-clara.
O dimorfismo sexual é evidente, sendo os machos de maiores dimensões e com um especto mais corpulento.

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Veado-vermelho-ibérico fêmea

Para além do tamanho, os machos desenvolvem hastes a partir do primeiro ano de vida, que são renovadas a cada ano. Estas são usadas ​​nas lutas que acontecem durante o período de cio (brama). As hastes dos animais de um ano geralmente não são ramificadas, embora possam apresentar várias pontas em alguns indivíduos. No segundo ano pode já ter entre 6 e 12 pontas, e tende a aumentar em tamanho e número de pontas nos anos seguintes. As hastes, no seu desenvolvimento máximo, que geralmente ocorre por volta dos 7 ou 8 anos de idade na Península Ibérica, podem ultrapassar um metro de comprimento em alguns exemplares e podem ter um número total de pontas próximo de 20.

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Veado-vermelho-ibérico macho

A partir aproximadamente dos 9 anos, as hastes vão diminuindo progressivamente de tamanho e de número de pontas a cada ano. Estas estruturas crescem durante a primavera e durante o verão, perdem o veludo em agosto e normalmente caem no final do inverno.

©️ Armindo Ferreira
Veado-vermelho-ibérico macho com as hastes em crescimento e revestidas pelo veludo


Juvenil: As crias possuem uma pelagem característica com fundo castanho e manchas brancas, que persistem durante os três primeiros meses de vida.

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Veado-vermelho-ibérico fêmea adulta e cria

Espécies similares: O veado-vermelho é uma espécie que é facilmente distinguida dos restantes cervídeos que ocorrem em Portugal. Este é de maiores dimensões e apresenta um escudo anal em forma de coração. O gamo (Dama dama) adulto apresenta manchas brancas no corpo e o escudo anal apresenta duas manchas pretas bem definidas nos lados e a cauda é também preta. O corso (Capreolus capreolus) é de menores dimensões e apresenta um escudo anal também em forma de coração, mas invertido e a cauda é muito curta. Para além das características referidas, estas três espécies têm hastes de forma e tamanhos diferentes. No caso do veado-vermelho são bem-desenvolvidas e ramificadas, enquanto que no caso do gamo são espalmadas (não são tão ramificadas), especialmente nos machos mais velhos. Os corços apresentam pequenas hastes, geralmente com menos de 25 cm e pouco ramificadas (3 pontas no máximo).
Indícios de presença: Se não for perturbado, move-se com uma passada de cerca de 1 m, e a pata posterior costuma ser colocada na pegada anterior. Quando ameaçados, movem-se em trote com uma passada de cerca de 3 m, ou podem até galopar e saltar. Os rastos dos cascos apresentam bordas externas uniformemente curvas e as almofadas dos dedos medem apenas um terço do comprimento do casco.
Os cascos das fêmeas medem entre 6 e 7 cm de comprimento e 4,5 e 5 cm de largura, enquanto que os machos apresentam cascos com 8 a 9 cm de comprimento e 6 a 7 cm de largura, com uma ponta mais arredondada do que a as fêmeas. As marcas dos cascos das patas dianteiras são um pouco maiores e mais abertas e quanto mais rápido o animal se move, mais separadas ficam as essas marcas. É importante ter em conta pegadas de outras espécies que podem confundir a nossa identificação. As pegadas dos gamos são mais estreitas e também mais pontiagudas na frente, mas a maioria destes animais encontram-se dentro de áreas limitadas, tais como parques e zonas de caça privadas. As pegadas dos javalis são mais largas do que as do veado-vermelho e as passadas são significativamente mais curtas. O corso apresenta pegadas significativamente mais pequenas e estreitas, em forma de “V”. Já as pegadas de cabras e ovelhas também são significativamente mais curtas.

Pegadas do veado-vermelho, javali, ovelha/cabra, gamo e corço. As pegadas nesta imagem não correspondem ao tamanho real, nem estão à escala. Fonte: Olsen, L., e Epstein, M. (2013). Tracks and Signs of the Animals and Birds of Britain and Europe. Princeton; Oxford: Princeton University Press..

Os excrementos frescos são pretos e lisos, tornando-se mais tarde castanho-escuro e opacos. Libertam aglomerados cilíndricos, com 2 a 2,5 cm de comprimento e 1,3 a 1,8 cm de espessura, e podem ser pontiagudos numa das extremidades, com um pequeno orifício na outra extremidade. Os excrementos são normalmente encontrados em pequenas pilhas em áreas onde os animais param para comer ou ruminar, mas também podem ser encontrados isoladamente e em pequenas quantidades por onde passaram a caminhar. Para além dos excrementos e das pegadas, os veados-vermelhos deixam outros indícios de presença. Quando as suas hastes estão totalmente desenvolvidas, removem o veludo esfregando as hastes contra arbustos e árvores jovens, quebrando ramos e arranhando a casca, e os restos de veludo são visíveis até uma altura de 120 cm (embora sejam difíceis de encontrar, uma vez, que os veados normalmente comem-nos). Pode também esfregar contra árvores maiores e, ao fazê-lo, marcam fortemente a casca.

Reprodução
O veado é um ungulado tipicamente polígino, onde os machos baseiam seu sucesso reprodutivo no acasalamento com o maior número de fêmeas possível e as fêmeas prestam todos os cuidados parentais.
A época de reprodução, conhecida como brama, ocorre durante setembro e outubro. Nesta altura, as fêmeas juntam-se em grupos, chamados de harém e os machos tentam defender a sua posição como machos reprodutores lutando e vocalizando (bramido). Os bramidos são geralmente dirigidos a outros machos rivais, mas sabe-se que podem também ter efeitos sobre as fêmeas, influenciando-as a entrar no cio. Durante esta época, as fêmeas costumam distribuir-se de acordo com a disponibilidade de alimento e os machos deslocam-se para as áreas onde há mais fêmeas. Assim os machos tendem a agregarem-se para as suas lutas nas melhores áreas de alimentação escolhidas pelas fêmeas.
O tempo de gestação dura cerca de 235 a 240 dias e as crias geralmente nascem em maio. A maturidade sexual é atingida entre o primeiro e terceiro ano de idade no caso dos machos e no caso das fêmeas é atingida entre o primeiro e o segundo. Cada fêmea apenas tem uma ninhada por ano e normalmente, é composta por apenas uma cria. Muito raramente poderá ser composta por duas crias. O desmame ocorre entre os 6 e 10 meses de idade.

©️ Armindo Ferreira
Veado-vermelho-ibérico macho a bramir

Bibliografia
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› http://www.iucnredlist.org/

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